A Abusividade do Reajuste por Sinistralidade no Plano de Saúde Coletivo e a necessidade de Restabelecer o Equilíbrio Financeiro do Contrato

Quando o assunto é plano de saúde no Brasil, logo vem à mente o valor a ser pago e a preocupação com a incidência de pesados reajustes. O primeiro passo é verificar o seu tipo de contrato, entender o que se passa e compreender a natureza de cada reajuste. Se o contrato é coletivo, é preciso ficar atendo, pois, além dos reajustes por custos operacionais (VCMH – variação custo médico hospitalar) e por faixa etária, existe o reajuste por sinistralidade ou reavaliação.

Não obstante a jurisprudência se mostre dividida em relação à legalidade da cláusula contratual que estabelece o reajuste por sinistralidade/ reavaliação, na maioria dos casos, o reajuste em si é afastado quando se consegue demonstrar sua incidência ao caso em concreto.

Isto porque, de forma simples, a natureza desse reajuste é fundamentada no número de sinistros num período de um ano em uma determinada apólice/grupo, ou quando os procedimentos e atendimento são maiores do que o previsto. Contudo, as operadoras e administradoras de planos de saúde não conseguem demonstrar fundamentadamente o percentual aplicado, os estudos técnicos que embasaram à composição do índice e sequer demonstram a existência de transação na fixação do reajuste.

Estas condutas são consideradas abusivas, pois a Constituição Federal de 1988, o Código de Defesa do Consumidor e o Código Civil de 2002 estabeleceram regras pautadas na transparência, no direito à informação e na boa-fé objetiva, que não são observadas pelas operadoras e administradoras de seguro saúde. Ademais, a Resolução 363 de 2014 da ANS c/c com inc. X, do art. 51, do CDC, exige a alteração bilateral do contrato, de modo que a fixação do reajuste seja de comum acordo. Infelizmente, essa negociação também não é comprovada, o que acentua o caráter aleatório e abusivo do reajuste por sinistralidade, além de impor uma onerosidade excessiva ao consumidor vulnerável.  

É nesse cenário que a insatisfação em relação ao valor do plano de saúde cresceu.  O PROCON/SP, em janeiro/2021, registou mais de mil reclamações contra reajustes de planos de saúde, com casos em que a majoração do prêmio chegou a 91%, 104% e até a 113%. Na reportagem publicada em 03 de fevereiro de 2021, a Assessoria de Comunicação do Procon/SP relatou que mais de 30 milhões de consumidores estão recebendo boletos com reajustes sem qualquer informação, e sem transparência, justamente numa época em que se enfrenta uma das maiores crises sanitárias e econômicas de todos os tempos (referência à crise causada pela pandemia de COVID- 19).  

Saliente-se, no julgamento do Recurso Inominado de nº 0037949-50.2017.8.05.0001, a Primeira Turma Recursal dos Juizados Especiais do Tribunal de Justiça da Bahia reconheceu a ilegalidade do reajuste por sinistralidade ao argumento de infração ao dever de informação previsto no art. 6º, III do CDC, considerando a ausência dos cálculos e de documentos probatórios que permitiriam ao consumidor o controle da onerosidade excessiva. Em outra perspectiva, ao dar provimento ao recurso inominado de nº 0027194-93.2019.8.05.0001, interposto pelo consumidor, a Segunda Turma Recursal decidiu com base no fundamento da proibição de alteração unilateral do contratual, consolidado no inciso X, do art. 51, do CDC.

Em ambos os processos mencionados foi reconhecido o direito à restituição das diferenças dos valores pagos a maior pelo consumidor nos últimos três anos, contados da data da propositura da ação, este entendimento decorre da declaração de ilegalidade do reajuste por sinistralidade, tendo em vista à vedação ao enriquecimento sem causa, previsto no art. 884 do CC/02.

Assim, caso o consumidor beneficiário de plano de saúde coletivo suspeite que os reajustes de seu plano de saúde estejam sendo fixados de forma exorbitante, com um valor muito superior àqueles aplicados no curso do contrato, o ideal é procurar seu advogado e realizar uma consultoria jurídica, a fim de verificar o melhor caminho para restaurar o equilíbrio financeiro de seu contrato, inclusive com a exclusão de reajustes abusivos.

REFERÊNCIAS

INSTITUTO BRASILEIRO DE EDFESA DO CONSUMIDOR. Conheça os tipos de reajuste que seu plano de saúde pode ter. São Paulo: 05 de maio de 2011, atualizado em 13 de março de 2018. Disponível em: https://idec.org.br/consultas/dicas-e-direitos/conheca-os-tipos-de-reajuste-possiveis

PROCONSP. Reclamações contra planos de saúde aumentam mais de 10.000%. São Paulo: 03 de fevereiro de 2021. Disponível em: https://www.procon.sp.gov.br/reclamacoes-contra-planos-de-saude-aumentam-mais-de-10-000/

Tribunal de Justiça do Estado da Bahia. PODER JUDICIÁRIO. PRIMEIRA TURMA RECURSAL. Classe: Recurso Inominado, Número do Processo: 0037949-50.2017.8.05.0001, Relator(a): JUÍZA NICIA OLGA ANDRADE DE SOUZA DANTAS, Publicado em: 17/07/2019. Salvador: Disponível em: https://jurisprudencia.tjba.jus.br/

Tribunal de Justiça do Estado da Bahia. PODER JUDICIÁRIO. PRIMEIRA TURMA RECURSAL. Classe: Recurso Inominado, Número do Processo: 0027194-93.2019.8.05.0001, Relator(a): JUÍZA MARIA LÚCIA COELHO MATOS, Publicado em: 06/12/2019. Salvador: Disponível em: https://jurisprudencia.tjba.jus.br/


Iala Borges Souza

(Advogada militante nas áreas de Direito Civil, Direito Previdenciário e Direito do Consumidor. Graduada em Direito pela Universidade Federal da Bahia. Especialista em Direito Civil pela Universidade Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais)

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